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O escritor e o livro incompleto

Foto do escritor: Iris CapitanoIris Capitano

(2020)

 

Dentro de uma pequena casa, sentado em frente a uma escrivaninha, havia um escritor e, sobre tal escrivaninha, seu livro. O escritor o amava como um filho, porém o livro não tinha uma se quer palavra. Estava totalmente em branco.

Um dia o homem voltou de uma biblioteca e, tomado por euforia, disse ao seu amado livro:


-Meu pequeno! Você não vai acreditar! Estive na biblioteca da cidade e li uma história bastante criativa! Cheia de magia, personagens únicos e repleta de fantasias!

-Parece magnífico! Por que não escreve um história de fantasia em minhas páginas? - Retrucou o livro, sonhador.

-Não! Nunca o farei! - Foi a resposta desanimadora.

- Por que não? Se não o fizer, então nunca saberei como sonhar e imaginar. Oh! Por favor papai!

-Acontece que fantasias levam a sonhos altos demais e, consequentemente, a desilusões. Não quero que você sofra por desilusões e nunca me perdoarei se isso acontecer.


Num outro outro dia o escritor voltou aéreo e sorridente para casa, sentou-se em frente a escrivaninha e disse ao seu pequeno:

-Hoje li uma história adorável e envolvente sobre um casal pré destinado a ficarem juntos. De fato um romance muito bem escrito!

-Que maravilha! Quero sorrir assim como você sorri. Por favor! Escreva em minhas páginas um romance mais cativante do que este que leu!

-Não! Nunca o farei!

-Por que não? Se não o fizer então nunca saberei o que é esse tal amor e muito menos terei conhecimento de como criar relações sociais. Oh! Por favor papai!

-O amor e as amizades nunca trazem consigo apenas alegrias, mas também tristezas, angústias e desentendimentos. Não quero que você se entristeça e chore, caso contrário, nunca me perdoarei!


Desta vez o escritor retornou para casa em um dia escuro de tempestade. Seus olhos arregalados não podiam evitar seguir constantemente sons indistinguíveis que seus ouvidos captavam contra sua vontade. muito menos evitar olhar para qualquer canto ali existente. Então, depois de ter acendido todas as luzes, se sentou em frente a mesma escrivaninha e disse, um tanto ofegante:

-Li uma história que, apesar de muito bem construída, preferiria não lembrar. Envolvia um caso horrível de assassinato e justo a pessoa que eu mais defendia se revelou um vilão desprezível. Foi um suspense muito minucioso!

-Que horror! Eu adorei! Parece tão intrigante! Por favor! Escreva em minhas páginas um suspense tão detalhado e repleto de mistérios como este!

-Não! Nunca o farei!

-Por que não? Se não o fizer então nunca saberei como ter coragem para enfrentar meus medos e o desconhecido. Muito menos como distinguir em quem devo confiar ou não. Oh! Por favor papai!

-Suspenses, muitas das vezes, levam ao sentimento de medo extremo, de pânico. E o personagem acaba traído por alguém que, até então, confiava muito. Não quero que você passe por coisas assim, caso contrário, nunca me perdoarei!

Passaram-se dias e dias e essas conversas se repetiram por muito tempo, até que, em uma data desconhecida o escritor veio a óbito, deixando seu querido livro, ainda em branco, em cima da mesma escrivaninha naquela mesma casa pequena. Após isso mais um tempo se passou. Tempo suficiente para que as aranhas repaginassem o lugar com uma nova decoração. Haviam teias em todos os cantos e em todos os móveis. Era como se, naquela casinha, o tempo tivesse parado.

Até que, finalmente um homem comprou a casa. Ele entrou para analisar sua nova morada, então avistou o antigo livro. Estava empoeirado, mas continuava encantador!

Por sorte o homem também era um escritor e, tomado por curiosidade ao ver aquele lindo objeto largado, não pensou duas vezes antes de caminhar até a escrivaninha e abrir o pequeno livro. Quando viu que suas páginas estavam em branco não conteve-e de alegria. Haviam ideias únicas em sua mente que necessitavam serem passadas para o papel. O grande momento do querido livro havia chegado. Ele poderia, enfim, ter suas páginas adornadas por uma história digna de ser lida.


O recém chegado sacou uma caneta de seu bolso e pôs-se a escrever. O livro se encheu de uma alegria que ele nunca havia experimentado antes e sorriu da forma mais verdadeira possível! Que maravilhosos eram aqueles primeiros capítulos! No entanto o enredo começou a ficar diferente daquele que estava lhe causando tal alegria. Sem que pudesse se dar conta a história havia ficado densa e incômoda. A brisa que soprava suave se transformara em ventos ferozes que traziam consigo tempestades ensurdecedoras e o dia radiante que, até então, exibia um céu azul celeste havia se tornado escuro, de um céu cinza e nublado.

O pobre livro ficou assustado com aquele turbilhão misto de acontecimentos e emoções. Ele se recusava a virar a página para que o escritor desse continuidade a história. O homem insistiu diversas vezes para que o livro virasse suas páginas, mas este estava tão amedrontado e tão sem reação que os esforços do homem foram em vão. Então jogou o pobrezinho no porão e trancou a porta.

O pequeno livro incompleto chorou incessantemente e, entre lágrimas e soluços, disse para si mesmo:

-Nunca terei a chance de conhecer as diversas prateleiras que existem pelo mundo e jamais terei a oportunidade de um dia ser lido por alguém!

 

Imagens: Pinterest

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Sobre Alecrim
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