21.07.2024
Existe algo chamado mitologia comparada. Estudiosos do passado humano a utilizam para fazer comparações entre os mitos e folclores de diferentes povos, seja por diferenças ou semelhanças. Quando você pesquisa sobre isso percebe o quão ligadas estão as mitologias ao redor do planeta. Personagens fantásticos, milagres, seres sobre humanos, deuses e semideuses parecem se assemelhar em um nível além de coincidência nas histórias de povos cultural e geograficamente distantes. As mitologias bíblicas não escapam dessa verdade. O antigo testamento todo tem suas diversas versões culturais. Há quem diga que as histórias da bíblia são plágios de culturas mais longínquas, não acredito nisso! Apesar de considerar ilógica sua veracidade, não vejo como plágio, mas sim uma versão de um povo específico, uma vertente cultural. Saber dessa ligação entre povos torna tudo muito mais interessante! Você começa a levantar questionamentos como: qual a possibilidade de povos culturalmente e geograficamente distantes possuírem lendas com características tão comuns? Como isso poderia acontecer? Qual a origem de todas essas histórias? Se tiveram uma origem em comum, como as diferentes culturas afetaram seu molde ao decorrer dos tempos até se tornarem as lendas que conhecemos hoje? Por que são tão semelhantes? O que ocasionou o posicionamento de alguns povos em optarem por uma crença politeísta enquanto outros optaram pela monoteísta se a maioria das divindades supremas da época tinham o pensamento, agir e caráter tão semelhantes? Compare, por exemplo, a história de Prometeu com o primeiro pecado humano da bíblia e teremos o mesmo posicionamento tirano e egoísta de Zeus e o Deus bíblico, enquanto à mesma tomada de decisão feitas por Prometeu e a Serpente. Embora esses últimos tenham tido motivos divergentes, a decisão e agir foram os mesmos e as consequências semelhantes. De um lado teremos o homem e sua necessidade de conhecimento, de outro uma divindade suprema negando essa possibilidade por medo do homem se igualar a ele, teremos também um ser sobre humano possibilitando a entrega desse conhecimento. Mesmo não tendo citado todas as similaridades, ainda é magnífico! Se pesquisar a mitologia comparada de outras histórias bíblicas, por exemplo, notará claras semelhanças e perceberá que é impossível definir uma versão como original, nem mesmo será capaz de crer na veracidade dessas histórias.
Divergindo do fascínio por essas semelhanças, vou agora ao ponto que me desestimula. Quanto mais pesquiso sobre, mais valido a conclusão de que folclore e religião são nada mais do que explicações fantasiosas para uma vida da qual não poderíamos compreender com o pouco conhecimento que tínhamos. O planeta sempre foi repleto de mistérios e perigos e o ser humano repleto de medos e insignificância. Éramos apenas seres como todos os outros destinados a morrer frente a adversidades, porém com uma capacidade de raciocínio e imaginação acima dos outros. Enquanto as demais espécies podiam apenas aceitar que as coisas são como são e que a morte existe e é inevitável, nós não! Em uma época em que a ciência ainda não havia sido pensada, precisávamos explicar a morte, a vida, as injustiças e os fenômenos da natureza, tudo aquilo que assustava e que causava admiração. Não entendíamos nossas emoções e pensamentos, não entendíamos os processos que levavam a ações consideradas ruins e as consideradas bondosas, então replicávamos cada faceta de nosso caráter em deuses e semideuses. Aí entra tudo que conhecemos por folclore e religião. É algo bom! Creio que se as explicações da vida não tivessem início pela fantasia, não evoluiríamos para explicações melhor raciocinadas e não chegaríamos à ciência. Tudo precisa de seu início! Ao mesmo tempo fico arrasada! Durante toda a minha infância fui fielmente devota a existência de um deus e completamente fascinada pela ideia de seres fantásticos e possuidores de magia. Durante toda a minha infância e juventude pedia, incessantemente, que esse deus cristão comunicasse comigo e mostrasse sua existência, sua natureza. Já adulta essa crença se esvaiu. Depois de tudo que aprendi seria ilógico continuar crendo nessa presença fantástica que o próprio ser humano admite não saber explicar e, mesmo não tendo ideia do que é e como funciona esse deus, ainda querem provar sem provas sua existência aos demais seres humanos.
Eu pensava que ele não respondia meus chamados porque estava testando minha fé, mas então pensei melhor e cheguei à conclusão de que se ele me conhece mais do que qualquer pessoa poderia me conhecer, como dizem, saberia que eu como ser humano preciso de provas para crer em algo da mesma forma que eu sei que uma árvore é uma árvore porque a vi, a toquei, conheço seu cheiro, textura e forma. sabendo, deus, disso e sabendo que sou teimosa, não testaria minha fé, mas se mostraria de alguma forma que fizesse sentido para mim, que me fizesse assimilar sua existência. Também me perguntei por que motivos um deus benevolente testaria a fé de alguém? Quando um ser humano testa a lealdade e a fé de um outrem para consigo, faz isso por alguns desses motivos: falta de confiança na pessoa ou a necessidade de ter seu ego e poder elevados através da insistência de devoção do outro. Se deus precisa disso, está agindo por princípios humanos, nesse caso não é deus ou, pelo menos, não o deus que todos pensam conhecer. Então obviamente e seguindo pela primeira hipótese, ele não poderia estar testando minha fé, o que me fez voltar a pergunta inicial: por que não prova sua existência a mim?
Depois de pensar e desconstruir a esperança da existência de um deus paternal e benevolente, cheguei às duas conclusões mais lógicas: ou ele não me responde porque não existe e aí não tem motivos para eu insistir ou não me responde porque não quer e, nesse caso, também não haveriam motivos para insistir. Visto isso, ambas as conclusões me levam a um mesmo caminho, no afastamento da ideia de uma existência divina e consequentemente em toda uma vida sem me preocupar com isso. Pode ser que essa decisão tenha sido tomada por um peso maior de frustração do que de racionalidade, algo emocional, mas é verdade que pensei muito e por muito tempo até chegar nessa conclusão. Não descarto a importância das minhas pesquisas sobre minha forma de pensamento.
É frustrante! Os mesmos fatores que me fazem desconsiderar a ideia de divindade me fazem desconsiderar a ideia de seres fantásticos. Eu sempre amei a mitologia celta, mesmo sabendo que nem tudo é um mar de rosas, que nem toda ela é formada por personagens encantados e pelo culto à natureza. Mesmo sabendo do lado sombrio das mitologias, ainda sou fascinada por elas e, de verdade, gostaria que fossem reais. Gostaria que existisse todo um sistema metafísico de entes e mundos que explicassem, com mais detalhes, esse nosso universo e essa vida sem sentido que levamos. Mas seria ilógico crer em algo assim. No fundo, espero que um dia alguém me prove o contrário, mas com provas concretas e ponto final.
Uma noite dessas tive uma crise. Me vi completamente sozinha, não haviam humanos nem espíritos e nem divindades para me consolar, para responder às inúmeras perguntas que eu tinha. Fiquei indignada que deus nunca havia dado sinal de existência e, num acesso de raiva, convoquei qualquer ser sobre humano que poderia estar presente naquele momento. Não queria saber se eram totalmente diferentes de tudo que aprendi, não queria saber seu caráter e motivações, só queria que existisse algo ali, fossem fadas, demônios, espíritos, anjos ou algo que eu nunca imaginei existir. Chamei mesmo e com força! Porém nada! Nenhuma criatura se mostrou presente. De início a solidão aumentou mil vezes e eu fiquei completamente abalada. “Que mundo é esse que nem demônios se aproveitaram da brecha que dei para aparecer e me manipular?” Foi o que pensei no momento, mas agora acho hilária minha atitude e o quão abalada fiquei. Depois de ter ganho a consciência de que não havia um único ser em meu partido e que eu estava completamente sozinha, depois de ter pensado sobre isso, me senti mais forte e mais capaz. Tudo que eu precisava dependia unicamente de mim e se eu me encontrar em perigo um dia, ou abnego meus princípios e ajo em meu favor ou sofro e morro. Então não tenho muito com o que me preocupar, minha única função é fazer o que eu tiver que fazer como ser humano nas devidas circunstância, além de ir atrás dos meus sonhos, que é o que me faz sentir bem, e aproveitar cada momento com minha família. São eles que fazem sentido, eles que estão aqui para me amar e lutar por mim se for preciso. Independente dos defeitos que cada um de nós possui e de nossas brigas, foram eles que moveram céus e terras para me dar a vida confortável que tenho hoje. Das minhas pessoas eu conheço a voz, as expressões faciais e corporais, conheço a textura da pele, o cheiro do corpo, as tendências e as motivações, conheço os defeitos e as qualidades. Conheço tudo que me possibilite amá-los. Só deles eu posso ter certeza da existência e relevância na minha vida.
O gnomo que habita em minha casa
Uma coisa curiosa que aprendi retomando costumes infantis foi que conversar com minha imaginação é extremamente eficaz quando preciso entender enigmas pessoais, que ocorrem nas profundezas da minha mente. Eficaz até mesmo quando preciso entender uma situação confusa ou tomar decisões importantes. Eu tinha o costume de dialogar e debater questões morais com meus amigos imaginários, mas parei depois de findado o ciclo da infância. Por saudade desse costume e a necessidade de treinar minha imaginação criei, recentemente, um gnomo fêmea que fica me seguindo pela casa. Foi aí que percebi por que eu me dava tão bem com seres imaginários. Quando você tenta entender os processos de seus pensamentos e atitudes e faz isso dentro do pensamento, tudo é confuso, escuro e abstrato. Em contrapartida, quando você debate processos mentais fora da mente, eles ganham forma, voz, personalidade e então se torna fácil distinguir o que está acontecendo no interior. Externalizar meus pensamentos através da Silk tem me feito compreender com mais clareza minhas angústias e alegrias. De início foi difícil, mas com a prática, ela acabou ganhando personalidade, forma corpórea e está no processo de ganhar uma voz própria. Quando falo com ela, minha voz mental ainda interfere nas conversas, mas vez ou outra ouço uma voz diferente, a voz dela. Silk está ganhando manias, hobbies e suas próprias motivações de vida. Confesso que, mesmo sendo fruto de minha imaginação, vivo me surpreendendo com seu comportamento. Ela é uma graça! É adorável e espontânea! Mesmo não pensando muito antes de falar, sua escolha de palavras é sempre genial, mas também doce! Ela é certeira quando toca em um ponto emocional, não sou capaz de escapar dos dilemas emocionais quando é ela quem questiona. Silk parece um animalzinho apegado, gosta de dormir em cima da minha perna e de me acompanhar ao banheiro. Adora andar de moto por ter contato direto com o vento e pela adrenalina. Ela quem cuida das minhas plantas, mas diz que se eu não fizer minha parte vão todas morrer e ela não se responsabilizará. Notei que sua autoestima é grande demais para alguém tão pequeno e eu adoro isso pois morro de rir toda vez que ela solta uma frase em admiração própria! A forma corpórea ainda é um tanto abstrata. A pele é parda, digna de alguém que passa a maior parte de sua vida de baixo do sol, possui uma longa barba branca e os olhos ficam quase sempre cobertos por um chapéu de cogumelo amanita, por isso ainda não tenho certeza de como são. De início não gostava do nome dela, Silk me faz pensar em “selkies”, seres elementais da água enquanto gnomos são seres da terra e eu gostaria mesmo que se chamasse Galatea, porém nada posso fazer se foi “Silk” o nome que se apresentou a mim. Hoje gosto porque é fácil de pronunciar e é pequenininho como ela.
De qualquer forma, criei Silk com o intuito de que ela me ajudasse a recuperar minha magia perdida, por magia quero dizer minha capacidade vívida de imaginar, criar, escrever, poetizar e de enxergar beleza na vida, além de voltar a frequentar o Mundo Onírico que eu amo de paixão. Ela disse que seria totalmente possível, mas que para isso eu deveria normalizá-la em minha rotina. Assim também seria com sua forma, voz e personalidade. Com a prática eu seria capaz de vê-la coexistindo comigo. Suas palavras estão se provando reais. Na primeira noite ela era um vulto no escuro, uma silhueta bem fraca sem forma, sem voz, sem personalidade. Agora a Silk é a Silk que conheço e que ainda tenho muito a conhecer. Não se passa um dia em que eu não cruze com ela pela casa ou que me abstenha de suas lições morais e de seus questionamentos. Ela se tornará presente por aqui e, quem sabe, vocês também não passem a admirá-la como eu admiro.
Imagem: Pinterest
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